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A Aquisição da Linguagem na Primeira Infância

  • contato06844
  • 8 de ago. de 2022
  • 6 min de leitura

Em meu dia a dia como professora alfabetizadora tenho encontrado diversos desafios, não só neste período pós-pandemia, como também em anos anteriores.

Atualmente, trabalho com crianças de 8 e 9 anos, uma turma do 3º ano do Ensino Fundamental, que não fez o 1º ano na escola em 2020, devido à pandemia.


Neste ano, mais especificamente, notei diversas características no comportamento dos meus alunos que estão com maior dificuldade para serem alfabetizados ou daqueles que já leem e escrevem, mas não conseguem sair do ponto em que estavam no início do ano.

Tenho conversado com mães, pais, tias, para tentar entender os porquês dos comportamentos e dificuldades. Estou também estudando em busca de respostas.


Neste post, vou apontar um dos tipos de comportamentos e dificuldades de aprendizagem ligados à linguagem oral, que percebo em alguns dos meus alunos.


A minha intenção é de alertar os pais e os cuidadores de crianças pequenas a fim de que esse tipo de problema seja evitado.


De acordo com a fonoaudióloga, Simone Fuzaro, tem crescido assustadoramente o número de crianças com retardo na fala. Aos dois anos, dois anos e meio, uma criança já deve se comunicar bem por meio da fala. Porém, ela tem recebido crianças nesta faixa etária, em seu consultório, que não falam absolutamente nada ou quase nada.


Em minha turma, há um estudante que, de acordo com a mãe, só começou a falar aos cinco anos de idade. Hoje, aos oito anos, ele tem um vocabulário pobre, raramente fala e, quando fala, mostra pouca desenvoltura. Ele ainda não consegue ler e não entende o sistema de escrita alfabética, mesmo depois de várias aulas vivenciando os sons das palavras, sílabas, fonemas e letras, por meio da música, poemas, e outros recursos. Em suas produções de texto, as letras são aleatórias na formação das palavras, que são dispostas sem segmentações. Às vezes, ele escreve palavras memorizadas no meio dessas letras, mas fora de contexto.


O que pode ter acontecido com essas crianças? Como evitar casos como esses?


Para encontrarmos respostas para essas questões precisamos entender sobre:



As Áreas do Cérebro Responsáveis pela Linguagem Oral


Desde o século XIX são conhecidas duas regiões do córtex cerebral que são responsáveis pela fala e sua compreensão.


A primeira se localiza no lobo frontal do hemisfério esquerdo, conhecida como área de Broca, e está relacionada à expressão da linguagem. Pessoas com lesões ou alterações nessa área comunicam-se com dificuldade, por palavras isoladas e monossílabas. A segunda se localiza entre os lobos temporal e parietal esquerdo, a área de Wernicke, e está relacionada à compreensão da linguagem. Lesões ou alterações nessa área incapacita a pessoa de entender o que se diz a elas, embora possam falar com fluência, o que dizem, não tem sentido.



Essas partes do cérebro são construídas a partir de informações genéticas, de forma a serem capazes de lidar com a linguagem falada, adquirida no convívio social.


Durante a aquisição da linguagem, diversas áreas precisam ser estimuladas: a auditiva, na identificação e imitação dos sons; a motora, para movimentar os articuladores fonatórios e produzir a fala; a perceptual e; a cognitiva. A criança vai usar o sistema respiratório e o sistema digestivo, em que a boca e a língua fazem parte. Ela precisa também ingressar na condição de funcionamento simbólico.


Para a linguagem ocorrer, várias habilidades precisam ser acionadas.



A Interação Pessoa-Pessoa


Assim que o bebê nasce, a primeira apreensão da realidade se dá por meio de seu semelhante, que será seu objeto de percepção, até que constitua o seu mundo como ser falante. A interação do adulto com a criança é fundamental para a aquisição da linguagem. A voz da mãe ou cuidador lhe chama a atenção e causa interesse, principalmente a sua entonação e musicalidade - a prosódia - que influencia diretamente no desenvolvimento da linguagem do bebê.


Nessa interação, o adulto traz a criança para o mundo da fala, colocando-a na posição de falante. A mãe escuta o bebê, empresta sentido aos sons que ele produz, antes mesmo que venham a ter um, e se cala para que ele também se manifeste.


Além da voz, os gestos, as expressões e a fisionomia do adulto são imprescindíveis na aquisição da linguagem.


Nessa fase, como a criança ainda não tem a capacidade de atribuir um significado à palavra, o sentido se dará por meio da prosódia. Por exemplo: para colocar limites à criança pequena, as informações devem ser simples, com entonação firme e sem explicações.



Os Movimentos de Aquisição da Linguagem


1º. Balbucio – sons mais fáceis de produzir, que têm um movimento visível dos lábios, como: “mã mã mã”.


2º. Especularidade imediata – repetição da última palavra em uma frase ou última sílaba de uma palavra. Mesmo que não seja uma escolha entre uma alternativa e outra, mas sim a repetição da última palavra, é bom que lhe atribua o que a criança fala para que ela vá entendendo o funcionamento da linguagem.


Por exemplo, em um diálogo da mãe com a criança:


“- Você quer a bola amarela ou azul?” (mãe)


“- ‘Zu’. (criança)


Mesmo que a criança não saiba a diferença entre amarelo e azul, a bola azul deverá ser dada para que ela comece a entender o dinamismo no diálogo e aprender a diferenciar cores, nesse caso.


3º. Especularidade mediata – quando a criança já é capaz de repetir recortes da fala do adulto em um outro momento ou circunstância.


4º. Complementariedade – quando a criança completa o que o adulto fala, como o final de uma frase ou canta um pedaço que finaliza a frase de uma canção.


5º. Reciprocidade – momento em que a criança já consegue falar, ouvir e responder. Há uma troca entre ela e a pessoa com quem está dialogando.


A reciprocidade não quer dizer que a criança já entende como um adulto. Até os 6 anos de idade, o modo da criança raciocinar é ilógico e rígido. A fantasia na fala dela é muito comum ainda e o adulto pode, às vezes, entrar nessa fantasia. Porém, é importante também que ele a traga para a realidade a fim de que não crie um comportamento fantasioso.


Nesse processo, é bem comum que a criança se trate na terceira pessoa. Mas, o adulto deve introduzir na conversa o “eu e você” e não tratá-la na terceira pessoa.



O Retardo na Fala


Estamos na era dos avanços tecnológicos e da comunicação e tantas crianças têm chegado em consultórios e escolas com retardo na fala. Crianças de dois a três anos que não falam ou falam quase nada, ou que já estão no Ensino Fundamental e apresentam uma fala com palavras isoladas e vocabulário bastante limitado.


A que isso se deve?


Podemos refletir sobre alguns fatores, como:


- A ideia de que as telas da televisão, do tablet, do celular e a música, em alguma dessas telas, estimulam as crianças. E isso não é verdade! Dessa forma, a criança repete sem sentido o que ouve, imitando apenas, sem estar numa posição de falante. As telas não dão o estímulo necessário para que ela fale.


-Famílias pequenas, com apenas um filho ou dois, bem comum na atualidade. As crianças acabam não brincando com outras crianças e não passam por situações de necessidades, pois recebem tudo pronto. Se a criança não passa por situações em que ela precisa pedir, se comunicar, não há o porquê falar.


Como resolver essa questão?


Aqui, vou deixar orientações básicas que normalmente são dadas por fonoaudiólogos aos pais de crianças com retardo na fala:

  • Observem se a sua criança não está sendo muito atendida por ser o centro das atenções.

  • Esperem a criança se manifestar, encontrar um jeito para falar o que quer.

  • Mudem as coisas de lugar, façam com que a criança sinta a falta do objeto e falem a ela para lhes pedir o que quer.

  • Estimulem a criança a ter a palavra em sua boca para falar – o movimento de especularidade (veja acima). Isso só pode acontecer na interação pessoa-pessoa, não acontece entre pessoa-eletrônico. A aprendizagem que ocorre com os eletrônicos precisa ser mediada por um adulto, ter hora e maneira de usá-los.

  • Deixem a criança crescer – muitas vezes a mãe deixa a criança no lugar de bebê e bebê não fala! O que ajuda na aquisição da linguagem:

- O desfralde;

- A libertação da chupeta;

- O uso do copo.


Abro aqui um parêntese: recentemente, em uma repartição pública, vi uma mãe em completo silêncio com seu filho, de aproximadamente seis anos e que ainda usava chupeta. Aquela cena me chocou e me fez pensar o quanto aquela criança estava sendo prejudicada no desenvolvimento de seu potencial para falar, se expressar e se comunicar.


Como professora que fui por alguns anos na Educação Infantil, pude participar de ações como essas, em contribuição para o crescimento e desenvolvimento da linguagem daqueles bebês e crianças que estiveram sob minha responsabilidade.


Mas, é importante lembrar que a escola apenas contribui para esse crescimento. A responsabilidade principal é dos pais ou familiares mais próximos da criança.


Saber falar e se comunicar é muito importante para a criança, pois é um passo enorme em seu desenvolvimento.



Para concluir...


Pais, vocês precisam ter em mente que tudo o que se pode fazer para estimular a criança falar, está totalmente vinculado em a estar e a interagir com ela.


Se há um número considerável de crianças com retardo na linguagem, é sinal de que as relações familiares têm perdido a qualidade, infelizmente. Mas, é tempo de mudar essa realidade.



Por: Silvia Cris Alves

Silvia é professora de piano e musicalização infantil, pedagoga, cantora, escritora e ilustradora. É, ainda, criadora do portal www.artepalavra.com.br. Clique aqui para conhecer melhor.

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